2005-12-22

Gráficos e a lei do rendimento decrescente

No século XIX, com o desenvolvimento exponencial da indústria e agricultura e a explosão dos mercados, uma das ciências que teve uma maior evolução foi a economia, em virtude da necessidade de identificar as relações entre os meios produtivos e os recursos financeiros. Entre as várias teorias económicas que tiveram origem neste "boom", está uma que, pela sua lógica irrepreensível e fiabilidade ao longo de 2 séculos, foi promovida ao estatuto de lei: a lei do rendimento decrescente.

Essa lei diz, formalmente, que num sistema produtivo, contendo alguns valores de entrada fixos e outros variáveis, se mantivermos os valores fixos constantes, cada aumento dos valores variáveis vai aumentando cada vez menos os valores de saída resultantes da produção.

Em termos leigos, é talvez melhor fornecer um exemplo simples, e começamos exactamente pela aplicação inicial desta lei, que foi na agricultura. Imaginemos que temos um terreno, e que queremos fazer nele uma plantação. Temos à nossa disposição uma quantidade variável de sementes para plantar. Se plantarmos poucas sementes, obtemos uma colheita fraca, mas a colheita vai aumentando de forma proporcional se nós formos plantando mais sementes... até um determinado ponto.

A partir de certo ponto, as sementes adicionais que podemos ir plantando deixam de ter como consequência um aumento correspondente da colheita, porque o terreno já está sobrelotado, e as plantas já não têm espaço para crescer. Podemos ir sempre colocando mais sementes, mas quantas mais sementes colocarmos, menor é o rendimento desse acréscimo, até que deixa de valer a pena colocar mais sementes, porque eventualmente há de custar mais colocar mais sementes do que a receita adicional da colheita resultante.

Esta lei não é certamente de aplicação universal - mas é espantosa a quantidade de aplicações em que ela se pode aplicar com sucesso. Desde a prospecção de petróleo até às arquitecturas computacionais paralelas, passando pela produção de cinema e orçamentos de publicidade, esta lei pode ser aplicada até mesmo a inúmeros aspectos da nossa vida quotidiana: comer um gelado à sobremesa pode dar-vos um grande prazer, mas será que se comerem um segundo, um terceiro e um quarto logo a seguir, vos dará o mesmo prazer que o primeiro? Às tantas o prazer pode acabar por ser negativo, a menos que apreciem ir ao grego.

A nova geração de consolas de vídeojogos, emergente neste momento, coloca a analistas, executivos, produtores, artistas e a todos os outros elementos produtivos da indústria dos vídeojogos a questão sobre se a lei do rendimento decrescente se poderá ou não aplicar a um elemento chave na produção de software lúdico: os gráficos.

É de especular até mesmo que a lei do rendimento decrescente possa ser aplicada ao quadrado em relação a este aspecto particular da produção de vídeojogos: uma vez pela parte do produtor, e outra pela parte do consumidor. Pelo produtor, um acréscimo de artistas, modeladores e orçamento para gráficos produzirá, com o seu aumento, uma melhoria decrescente nos gráficos do jogo, à medida que nos aproximamos do realismo absoluto e dos limites sensoriais do ser humano. Pelo lado do consumidor, um acréscimo na qualidade dos gráficos produzirá um aumento decrescente nas receitas obtidas, à medida que o público deixa de conseguir discernir diferenças óbvias entre jogos de qualidade gráfica diferente, ou que as diferenças de jogabilidade se tornam mais importantes do que as diferenças marginais de qualidade gráfica.

Durante mais de duas décadas, a indústria dos vídeojogos disfrutou de uma isenção excepcional da lei do rendimento decrescente, à medida que os avanços técnicos permitiam a obtenção de melhorias exponenciais nos gráficos sem um acréscimo no investimento na parte gráfica do jogo que comprometesse a viabilidade do jogo. Porém, os últimos 5 anos têm visto um aumento sem precedentes nos orçamentos em gráficos de vídeojogos - um orçamento que não se tem reflectido num aumento proporcional das receitas obtidas, causando assim um decréscimo nos lucros médios obtidos por jogo.

Enquanto que há 10 anos, era fácil justificar o lançamento de um jogo, visto que mesmo uma quantidade relativamente reduzida de cópias vendidas renderia o suficiente para oferecer lucro, hoje em dia um jogo com valores de produção típicos necessita de vender centenas de milhares de cópias só para não dar prejuízo a quem o produziu.

Isto não seria problemático se a população de consumidores de vídeojogos - o "terreno", se quisermos efectuar o paralelo com o exemplo inicial de aplicação da lei do rendimento decrescente - estivesse a crescer. Mas isso não está a acontecer, e a situação é até mesmo pior do que se esse número se mantivesse constante. A quantidade de jogadores, o "terreno" do nosso mercado de vídeojogos sobre o qual os produtores colocam "sementes" sob a forma de recursos investidos na produção de vídeojogos, está a diminuir. Num discurso de Nolan Bushnell, fundador da Atari original e um dos pais dos vídeojogos na sua forma actual, a população de consumidores de vídeojogos nos EUA diminuiu de 44 milhões para 18 milhões nos últimos 20 anos.

Esta evolução negativa deu-se em virtude da complexidade crescente dos vídeojogos, que causou o afastamento de legiões de jogadores casuais, que encontraram formas mais acessíveis de entretenimento. Os jogadores actuais são dedicados, mas constituem uma população sem grandes perspectivas de crescimento, a continuar a trajectória actual de evolução dos vídeojogos. Um prospecto definitivamente negro para os produtores de vídeojogos, e que tem despoletado a tomada de medidas drásticas por parte de certos nomes bem conhecidos no seio da indústria, no intuito de combater esta situação. Vocês sabem de quem eu estou a falar, e as motivações e filosofias por detrás de tais medidas tornam-se óbvias quando identificamos e pensamos nos nomes em questão.