2003-07-17

É difícil reconhecer que estou errado, mas ainda mais difícil é saber se estou errado ou não antes de o reconhecer. Isto a propósito do filme Hulk, que tive oportunidade de ver em conjunto com a Jackie e o Eolo. Ambos concordaram que não tinham gostado muito do filme (muito particularmente o Eolo, que confessou só não ter adormecido devido às constantes intervenções dos palhaços na fila de trás). Quanto a mim, confesso que o ritmo lento do filme e a pseudo-psicologia de algibeira oferecida a propósito da relação entre Bruce Banner e o seu pai não me convenceram. Porém, considero inegável que o filme constitui um novo patamar no que diz respeito a películas sobre super-heróis. Será então que gostei ou não gostei? O facto de ter vontade de, eventualmente, ver outra vez, significará que a resposta é "sim"? Quando é que eu deixo de falar sob a forma de perguntas???

Com o advento do Animega Budokai, descuidei um pouco o meu papel de colunista para o Clubotaku. Aqui vai a crítica de Noir que acabei de escrever para o T3tsuo e companhia:


Se o anime que costumamos ver fosse feito na Albânia, quase certo seria que praticamente todas as séries de animação lá produzidas teriam como cenário as ruas de Tirana. Os japoneses não escapam à tendência esmagadora de olhar para o próprio umbigo no que diz respeito à produção de ficção - mesmo quando se tratam de séries de animação as quais, em princípio, permitiriam a variação fácil de cenários sem custos acrescidos. Quando tal acontece, os autores de anime e manga recorrem normalmente a mundos de fantasia, em vez de aproveitar a enorme diversidade de culturas do nosso planeta. Poder-se-ia, por isso, chamar uma lufada de ar fresco a "Noir", uma série cujo cenário substitui os "familiares" subúrbios japoneses por ruas apertadas de Paris, e paisagens verdes da Córsega e dos Pirinéus - locais que bastantes de nós já tivemos oportunidade de testemunhar em pessoa, e sobre cuja representação podemos por isso emitir uma opinião mais qualificada.

Além disso, "Noir" pega num género interessante, mas bastante esquecido nos últimos anos de produções animadas: a história de assassinos, sendo porém a habitual Yakuza e as tríades de Hong Kong substituídas pelo misterioso grupo conhecido como "Soldats". Esta série produzida em 2001 pela Victor Entertainment tem tudo a favor para se constituir como uma obra de apelo indiscutível para qualquer público. Infelizmente, "Noir" fica muito aquém deste objectivo, sendo as suas virtudes prejudicadas por defeitos capazes de dissuadir muitos potenciais espectadores.

Mireille Bouquet é uma experiente assassina profissional residente em Paris, que recebe um dia um e-mail que lhe propõe a missão de matar uma jovem japonesa, Yumura Kirika. Esta mensagem é acompanhada de uma melodia, que Mireille recorda como a música que tocava num relógio musical quando os seus pais foram assassinados anos atrás. Intrigada, Mireille vai ao encontro de Kirika, ela própria uma assassina nata, e uma vez juntas, acabam por repelir o ataque de um grupo de MIB's que surgem misteriosamente para as matar. Kirika é uma rapariga sem memória, mas Mireille julga que ela pode ter a chave para descobrir algo sobre o assassínio dos seus pais, e por isso, dispõe-se a juntar-se a ela até descobrir a verdade. Assim, formam uma dupla de assassinas conhecida pelo nome de "Noir" - inconscientemente usando uma palavra incrivelmente relevante dos seus passados, e cujo significado elas terão que descobrir para desvendar um mistério milenar.

A história, à primeira vista, é intrigante, e perfeita para uma série de 10 episódios. Infelizmente, "Noir" não tem 10, mas sim 26 episódios, que se arrastam entre cenas de flashback intermináveis e episódios de enchimento que superam em número os que têm algum conteúdo válido, e que fazem o espectador, a meio da série, interrogar-se sobre aonde vai esta história e, sobretudo, quando é que ela acaba. Felizmente, os episódios finais são de boa qualidade. Só é pena que tantos do meio sejam absolutamente dispensáveis. Com tanto episódio de sobra, o desenvolvimento dos personagens é lento, quase imperceptível, e as missões que são atribuídas às protagonistas são praticamente indiferenciadas, culminando invariavelmente num massacre de MIB's genéricos, mas que curiosamente, nunca derramam nem uma gota de sangue. O único fluído vital que se vê em toda a série é o dos pais de Mireille, em flashbacks repetidos "ad nauseam".

Ainda que a série demonstre um sentido estético apurado, tanto ao nível dos cenários como dos designs de personagens de Kikuchi Yoko, e uma técnica de animação largamente superior à média para uma série televisiva (especialmente deste tamanho), o ponto brilhante de "Noir" é a banda sonora de Kajiura Yuki, que além de compôr um conjunto de peças perfeitas para o ambiente da história, concebe a melhor imitação de Madredeus que alguma vez se teve oportunidade de ouvir. Mesmo reconhecendo esta "homenagem", o conjunto é merecedor de crédito, não só como acompanhamento adequado à acção, mas também pelo seu próprio mérito artístico.

Além disto, "Noir" conta com um elenco vocal de luxo, incluindo os talentos inegáveis de Mitsuishi Kotono (Misato em "Evangelion", Juri em "Utena", Excel em "Excel Saga") como a profissional Mireille Bouquet, Kuwashima Houko (Satsuki em "X TV", Minoru em "Chobits") como a letal Kirika e Hisakawa Aya (Miki em "Utena", Skuld em "Ah! My Goddess!") como a misteriosa Chloe.

É comum dizer sobre uma série que não gostámos, que é demasiado curta para incluir uma história tão grande. O caso de "Noir" é precisamente o oposto: uma história tão íntima e limitada dava-se a um número bem inferior de episódios, e isso prejudica gravemente uma série excepcional em todos os outros aspectos. Recomendado sobretudo a quem gostou de obras como "Sanctuary" e "Crying Freeman", mas não a quem não tem paciência para assistir a uma maratona de episódios conduzindo a um desfecho interessante, mas em última instância, com uma abrangência insatisfatória.

2003-07-03

Depois do dilema do web-designer, o dilema do escritor! Agora que comecei a escrever o prelúdio do Animega Budokai, começo a respeitar mais os colunistas dos jornais e outros escritores regulares, obrigados que são a ter sempre na ponta da língua a idéia para o seu próximo texto. Suponho que o meu sentimento actual seja algo de dependente da minha própria personalidade, mas o certo é que sinto como se, não interessa o quanto escrevo, o meu texto está sempre incompleto.

Há sempre um pormenor por adicionar, algo para explicar, e porque usar uma só frase para descrever uma situação quando a descrição pode ficar muito mais rica utilizando duas, três ou mais?

O resultado é a insatisfação perpétua com o corpo do texto que acabámos de produzir - sobretudo após leituras repetidas. Parece que quanto mais lemos, mais feio nos parece. Pergunto-me se é algo que escritores regulares também têm que enfrentar: a crescente auto-exigência ao ponto de, se nos deixarmos levar por ela, tornamos o texto intragável de tão pormenorizado.

Mas, para já, é preciso deixar a minha parte racional ditar os limites, e ela diz que se fizer isto demasiado longo, ninguém vai querer ler.

Mais uma inveja a acrescentar à minha colecção: a dos escritores verdadeiramente concisos.